(artigo publicado em 13/12/2019 na Revista Capital Aberto)
O Brasil é hoje o maior hub de fintechs da América Latina, tendo registrado em 20181 um crescimento de 66% em novos empreendimentos na comparação com 2017. Em 2018, ademais, observou-se um volume expressivo de investimentos em fintechs brasileiras, como a rodada série E de 150 milhões de dólares recebidos pelo Nubank, a série C de 55 milhões de dólares pela Creditas e a série D de 30 milhões de dólares pela ContaAzul.
O aumento do número de fintechs e o volume dos investimentos registrados no ano passado também foram resultado da importante onda regulatória que, direta ou indiretamente, impactou o setor. Destacam-se a Resolução 4.656/2018 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que regulou as fintechs de crédito; o Decreto 9.544/2018, que possibilitou às fintechs de crédito autorizadas a operar pelo Banco Central do Brasil (BC) contar com até 100% de capital estrangeiro; e a Resolução 4.707/2018 do CMN, que reduziu o escopo da “trava bancária”, possibilitando a exploração do mercado de antecipação de recebíveis via modelos diferenciados.
Os negócios envolvendo fintechs continuaram aquecidos em 2019. Houve a rodada de investimento série D de 231 milhões de dólares recebidos pela Creditas e a série F de 400 milhões de dólares do Nubank — operação que elevou a fintech à posição de primeiro “decacórnio” brasileiro (valuation superando 10 bilhões de dólares). A mera expectativa de regulação do open banking no Brasil também foi um importante catalisador de oportunidades envolvendo fintechs, seja por meio de parcerias comerciais ou por aquisições e investimentos em venture capital.
No open banking, instituições financeiras disponibilizam dados cadastrais e transacionais dos clientes, mediante autorização dos titulares das informações, a empresas terceiras (geralmente fintechs), por meio da abertura de tomadas digitais — as application programming interfaces (APIs). Essa dinâmica resulta em estímulo à competição e à eficiência na prestação de serviços, à medida que parte do princípio de que os dados armazenados são dos clientes e não dos bancos. Assim, instituições financeiras tradicionais podem ter acesso a fintechs já operantes para complementar seus portfólios de produtos, e as próprias fintechs podem ocupar mais espaço no tratamento de dados para o desenvolvimento de soluções ainda mais inovadoras e customizadas.
Na prática, mesmo que sem normativa específica, o open banking já vem sendo praticado no Brasil, fundamentado em determinados pilares do modelo já regulados no País — como a obrigatoriedade do fornecimento, pelos bancos, de determinados dados de seus clientes a terceiros mediante autorização, conforme previsto pela Lei 105/2001 e pela Resolução 3.401/2006 do CMN.
Como primeiro passo para a regulação do open banking, em abril de 2019 o BC publicou2 os requisitos fundamentais para a sua implementação e, em novembro passado, divulgou o edital de consulta pública com a proposta dos atos normativos respetivos. As minutas apresentadas foram além do esperado e o modelo a ser adotado deve compreender, a princípio, as instituições financeiras e as demais instituições autorizadas a funcionar pelo BC e contemplar, dentre outros, o compartilhamento de dados relativos aos produtos e serviços oferecidos pelas instituições participantes, de dados cadastrais e transacionais dos clientes e de serviços de pagamento.
Restam como desafios práticos a delimitação das responsabilidades por eventuais vazamentos de dados (que deveriam ser suportadas exclusivamente pelo seu responsável, sem solidariedade com os demais agentes), o rito do processo de autorização e homologação dos agentes que poderão participar do modelo (que deveria ser descomplicado e ágil, de modo a viabilizar a inclusão de novos participantes) e a manutenção da padronização das APIs (que deveria ocorrer para facilitar a interação entre as instituições doadoras e receptoras de dados).
É fato que a prestação de serviços financeiros vem se transformando em virtude da desburocratização e da eficiência promovidas pela operação das fintechs. Além disso, o apetite por novas tecnologias, combinado com ondas regulatórias ocorridas e esperadas para o setor, vem movimentando investimentos relevantes no Brasil. Se a mera expectativa de regulação do open banking já se mostrou um importante driver de oportunidades, a consolidação do framework normativo elevará o nível de segurança jurídica para que os negócios decorrentes desse modelo ganhem ainda mais expressão no País.
Notas
1Pesquisa BID/Finnovista
2Comunicado 33.455
* Bruno Tanus é sócio fundador do T|DV Advogados, Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca-Espanha e Doutor em Estudos Jurídicos Comparados e Europeus pela Universidade de Trento-Itália.