(artigo publicado em 07/12/2009 na sessão Opinião do jornal Folha de S. Paulo)
A rotulagem de produtos biotech (“alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados”) é prevista pela lei 11.105/05 (artigo 40) e regulamentada pelo decreto 4.680/03.
Este último determina que o rótulo dos produtos constituídos por quantia superior a 1% de material geneticamente modificado deve apresentar “em destaque, no painel principal e em conjunto com o símbolo a ser definido mediante ato do Ministério da Justiça”, uma das seguintes expressões, dependendo do caso: “(nome do produto) transgênico”, “contém (nome do ingrediente ou ingredientes) transgênico(s)” ou “produto produzido a partir de (nome do produto) transgênico”
A portaria 2.658/03 é o ato do Ministério da Justiça que determina como símbolo a ser utilizado no rótulo dos produtos “biotech” a letra “T”, de transgênico, escrita em letras de grande calibre e cor negra, localizada no centro de um triângulo equilátero de bordas negras e fundo amarelo.
O triângulo negro com fundo amarelo é símbolo usado pela norma ISO 3864-2002 para designar “perigo”, o que atribui à rotulagem dos “biotech” caráter distinto da rotulagem de qualquer outro tipo de produto.
Efetivamente, o uso da simbologia de alerta -determinado pela normativa vigente- faz com que os consumidores mal informados julguem os produtos “biotech” como algo perigoso, conferindo à rotulagem em matéria de transgênicos uma carga negativa injusta.
Ademais, o triângulo exclamativo nada contribui para assegurar aos consumidores o direito à informação adequada, correta, clara e precisa sobre os diferentes produtos disponibilizados, como garantido pelo Código de Defesa do Consumidor.
Nem mesmo em cenários em que há ainda alto grau de rejeição com relação aos produtos “biotech”, a normativa em matéria de rotulagem impõe o uso de símbolos de alerta.
Na União Europeia, a rotulagem de transgênicos é prevista pelo regulamento 1830/03, que determina, para os produtos que superem o limite de 0,9% de presença de material geneticamente modificado “acidental ou técnicamente inevitável”, a inclusão nos seus rótulos da menção “este produto contém organismos geneticamente modificados” ou “este produto contém (nome do(s) organismo(s)) geneticamente modificados”, sem o uso de qualquer simbologia que faça alusão a elementos de periculosidade.
Com o objetivo de superar as incongruências da normativa brasileira, uma possível alteração legislativa em matéria de rotulagem de produtos “biotech” parece estar por chegar.
Tramitam atualmente três projetos de lei que, dentre outras propostas, visam à eliminação do símbolo de alerta na rotulagem dos produtos “biotech”.
O PL 4.148/08, de autoria do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS), já se encontra em pauta para deliberação em plenário e pretende que a rotulagem de transgênicos seja tratada unicamente pela lei 11.105/05. Para isso, seriam acrescentados três parágrafos ao artigo 40 de tal norma especificando todos os requisitos para o procedimento de rotulagem, eliminando, implicitamente, a imposição do uso de qualquer simbologia de alerta.
Praticamente com o mesmo objetivo, outros dois projetos de lei -um de autoria da senadora Kátia Abreu (DEM-TO) e outro do deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP)- estão em fase de análise pelas comissões pertinentes nas suas respectivas Casas Legislativas.
Tal perspectiva de alteração legislativa demonstra evolução em matéria de rotulagem de produtos “biotech” e pode, caso uma das propostas citadas seja efetivamente incorporada ao ordenamento jurídico, ter importante reflexo no fluxo comercial do setor biotecnológico, bem como nos demais setores a ele relacionados.
O procedimento de rotulagem adequado reduz os custos de embalagem do produto, bem como a resistência de consumidores mal informados.
É importante recordar que a rotulagem relaciona-se exclusivamente com o direito à informação e não deve ser associada ao propósito de tutela da saúde dos consumidores: só são rotulados os produtos já aprovados e que, portanto, obtiveram êxito positivo no procedimento de autorização.
Ademais, vale ressaltar que a eliminação da simbologia de alerta da normativa em matéria de rotulagem de transgênicos não pretende a ocultação de informações sobre os produtos “biotech”-já que elas continuariam sendo mencionadas-, mas somente visa garantir que a biotecnologia não tenha que suportar qualquer tipo de ônus ilegítimo e carente de fundamentação técnico-científica.
* Bruno Tanus é sócio fundador do T|DV Advogados, Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca-Espanha e Doutor em Estudos Jurídicos Comparados e Europeus pela Universidade de Trento-Itália.