boa leitura!

Novo cenário para transgênicos

(artigo publicado em 12/09/2010 na sessão Opinião do jornal Valor Econômico)

A biotecnologia vem ganhando cada vez mais destaque no cenário mundial. Depois de 12 anos sem autorizar novos transgênicos, a União Europeia aprovou, em 02/03/2010, a batata geneticamente modificada Amflora para uso industrial e alimentação de animais. Além da quebra do tabu europeu, também veio à tona, recentemente, outra informação positiva para a biotecnologia. Em 23/02/2010, foi publicado o relatório, referente ao ano de 2009, da International Service for the Acquisition of Agri-Biotech Applications (ISAAA), reconhecida organização que estuda o status da produção biotech em todo o mundo.

Mesmo com todos os reflexos negativos decorrentes da crise econômica, o último relatório ISAAA demonstra que as plantações biotech apresentaram um índice de crescimento notável. No entanto, a grande novidade apresentada pelo documento foi a classificação do Brasil como o 2º país na lista dos maiores produtores de transgênicos do mundo. Com 21,4 milhões de hectares, o Brasil superou a Argentina e ficou atrás somente dos Estados Unidos, país que totalizou 64 milhões de hectares de cultivos biotech. É indiscutível o grande passo dado pelo Brasil no mercado agrícola biotecnológico, assim como é admirável que o Brasil tenha incrementado não somente a quantidade da sua produção, mas também os seus índices de pesquisa e desenvolvimento no setor biotech. Em síntese, é fato que a biotecnologia está prosperando no cenário brasileiro, o que resulta no aquecimento da chamada “bioeconomia”, já que os produtos biotech ganham cada vez mais espaço no mercado.

Apesar da evolução com relação aos aspectos técnico-científicos e econômicos, a estrutura normativa brasileira que regula as atividades biotech ainda não conseguiu acompanhá-las com a eficiência necessária. Mesmo já existindo a Bioética e o Biodireito como ramos especializados que se ocupam especificamente das questões éticas e jurídicas relacionadas à biotecnologia (dentre outras disciplinas), o desenvolvimento da técnica ainda caminha a passos muito mais velozes que a norma jurídica que a regula.

A biotecnologia é considerada um setor fortemente regulado, o que demonstra a grande influência do Direito na prática das atividades biotech. A Lei de Biossegurança brasileira (Lei 11.105/2005), o seu Decreto regulamentar (Decreto 5.591/2005), as diversas normas técnicas publicadas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), assim como os instrumentos legislativos em matéria de rotulagem de transgênicos (Decreto 4.680/2003 e Portaria do Ministério da Justiça 2.568/2003) configuram a estrutura normativa básica que regula a circulação desses produtos no Brasil. Trata-se de um quadro regulatório que, apesar de relativamente recente, é ainda extremamente complexo e desatualizado com relação ao estado atual das técnicas biotecnológicas.

Efetivamente, o procedimento de autorização em matéria de transgênicos é um dos pontos que merece uma “reflexão legislativa” relevante. O sistema regulatório brasileiro ainda prevê um mecanismo complicado de análise do risco, resultado da aplicação do princípio da precaução, que desconsidera, em muitos casos, elementos técnico-científicos evidentes e que deveriam tornar o procedimento de autorização menos burocrático e mais harmonioso com a realidade da biotecnologia.

A rotulagem dos organismos geneticamente modificados é outro ponto que merece atenção. O país que ocupa o 2º lugar na lista dos maiores produtores de transgênicos do mundo ainda determina o uso de uma simbologia de alerta no rótulo dos produtos biotech. Essa obrigação é completamente desnecessária, pois o produto a ser rotulado já teve a sua segurança garantida através da aprovação no rígido procedimento de autorização pelo qual são submetidos todos os organismos biotech destinados à liberação comercial. Além disso, a previsão da simbologia de alerta desvirtua o próprio objetivo técnico-jurídico da rotulagem de produtos, qual seja, a garantia do direito de escolha do consumidor. O símbolo exclamativo poderá induzir o consumidor a erro, vez que se torna muito provável que os produtos biotech sejam relacionados, equivocadamente, a uma mercadoria perigosa.

Mesmo com todos os percalços regulatórios, o Brasil é considerado o futuro “motor propulsor” do crescimento da biotecnologia na América Latina. No entanto, para que esse objetivo seja realmente alcançado, o Biodireito deve, com base nos seus princípios específicos, regular racionalmente as atividades biotech, sem prejudicar o seu desenvolvimento, premissa que, obviamente, não se traduz no abandono do objetivo primário da biossegurança, qual seja, a tutela da saúde humana e do ambiente.

Bruno Tanus é sócio fundador do T|DV Advogados, Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca-Espanha e Doutor em Estudos Jurídicos Comparados e Europeus pela Universidade de Trento-Itália.

copyright © 2021 - Tanus, do Val Advogados

este site utiliza cookies para coleta de dados para estatísticas de navegação do usuário dentro do nosso site. Ao continuar navegando você concordará com as Políticas de Privacidade desse site.