(artigo publicado em 19/09/2011 na sessão Negócios do jornal O Estado de S. Paulo)
O foco em inovação e a concorrência global levaram os grandes players do setor de life sciences (composto basicamente pela indústria farmacêutica e biotecnológica) a realizarem, em 2010, investimentos relevantes por meio de fusões e aquisições de empresas do mesmo ramo. E esse movimento tende a continuar.
A indústria farmacêutica vem determinando novas estratégias de investimento em virtude, sobretudo, da busca pelo desenvolvimento de novas substâncias e também da manutenção de participação no mercado com a expiração das patentes dos blockbusters (medicamentos líderes em vendas). Para viabilizar a produção de novas drogas e manter a liderança na venda de certos produtos, os grandes laboratórios vêm dando atenção aos investimentos nos setores de e-health (saúde eletrônica), biotecnologia e aos medicamentos similares e genéricos.
O segmento de e-health é atualmente o nicho mais inovador e desafiador, no qual as empresas buscam, em síntese, o desenvolvimento de aparelhos inteligentes para monitorar pacientes em tempo real. Para a indústria farmacêutica, investir nesse setor representaria a possibilidade de obter uma análise refinada da eficiência dos medicamentos. Essa interação também poderia fornecer registros eletrônicos que serviriam de fonte para o desenvolvimento de novos produtos. Mesmo com os entraves regulatórios e as limitações determinadas pelas políticas internas das empresas – restritivas com relação às informações pessoais de pacientes – a aquisição de participação ou o controle de empresas de e-health poderia ser um instrumento importante para garantir o acesso à produção de novos fármacos.
A biotecnologia também tem atraído o interesse de investidores da indústria farmacêutica. A engenharia genética possibilita o desenvolvimento dos biofármacos, produtos com princípio ativo geralmente produzido por bactérias transgênicas, considerados mais específicos e eficazes que os medicamentos tradicionais. Ao investir nesse ramo, os laboratórios conseguem ingressar em um nicho de mercado que desenvolve produtos complexos, de alto valor agregado e que são destinados ao tratamento de enfermidades graves, como câncer, hemofilia e AIDS. De fato, a busca por novos medicamentos com base biotecnológica já resultou em importantes aquisições, joint ventures, assim como na celebração de contratos para o licenciamento da fabricação de biofármacos ou a negociação de seus direitos de distribuição no mercado.
Uma modalidade de negócio já usual, mas que continua atraindo investimentos é o setor dos similares e genéricos. Os similares contêm o mesmo princípio ativo dos medicamentos de referência, mas não têm as mesmas propriedades farmacêuticas, característica que os diferencia dos genéricos. Estes são, efetivamente, os mecanismos mais utilizados para a manutenção da participação dos grandes laboratórios no mercado em decorrência da expiração das patentes dos seus blockbusters. Outro atrativo é que esse segmento opera geralmente por meio de sociedades de capital nacional, conhecedoras do mercado local e com redes de distribuição já estruturadas. Mesmo sendo um setor visto com certo preconceito por determinadas multinacionais farmacêuticas, os genéricos continuam atraindo investimentos em virtude da sua rentabilidade.
No primeiro semestre, diversas operações concluídas no segmento de life sciences chamaram a atenção do mercado. Destacam-se, dentre outras, as aquisições do laboratório brasileiro Bergamo pela americana Amgen, da empresa biotecnológica americanaGenzyme pela francesa Sanofi-Aventis, a compra do laboratório brasileiro Mantecorp pela Hypermarcas e da fabricante de produtos ortopédicos suíça Synthes pela também americana Johnson & Johnson.
É um sinal claro de que as empresas desse setor têm adotado estratégias de negócio arrojadas e que são concluídas, principalmente, por meio de fusões ou aquisições de sociedades do mesmo segmento. Essas operações são permeadas de especificidades em matéria de regulação e geralmente precedidas por reestruturações societárias, que viabilizam a conclusão do investimento com custos administrativos reduzidos e de forma eficiente do ponto de vista tributário.
O momento econômico favorável e as novas opções de negócio tendem a aumentar ainda mais o número de operações societárias envolvendo empresas do setor de life sciences no Brasil. Este é um passo necessário para a consolidação e ampliação da posição competitiva dos grandes players desse segmento no mercado nacional, que vem prosperando no cenário mundial.
* Bruno Tanus é sócio fundador do T|DV Advogados, Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca-Espanha e Doutor em Estudos Jurídicos Comparados e Europeus pela Universidade de Trento-Itália.